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A TAÇA

 

Foi na época da Faculdade que conheci o João Trinca e Fábio Soneca. O João devia ter mais de trinta anos, morava em Rio Claro e não demorou muito para se divorciar. Soneca, apelido que ganhou na própria faculdade, por cochilar em algumas das intermináveis aulas e devia ter uns vinte e cinco anos, morava em Cerquilho e estava prestes a se casar. Que contraste!

A expectativa pela festa de casamento do Soneca era muito grande. Sabíamos que a noiva era filha do proprietário de uma das usinas de álcool e açúcar daquela cidade, e que a festa seria no salão de eventos da própria usina.

Não sei precisar quantas pessoas da nossa turma, da faculdade, foram convidadas. Mas, eu e João estávamos dentro. Na festa, me recordo apenas de ter visto o Paulinho, Mecito, Alexandre Quibao e o João que fora comigo.

O casamento estava marcado para uma sexta-feira. Naquele dia trabalhamos normalmente. Eu, em Piracicaba. João, em Rio Claro, que fica a uns 30 Km de Piracicaba e na direção oposta a Cerquilho.

No final da tarde, após o trabalho, fui buscar o João. Saí de Piracicaba, fui em Rio Claro e de lá seguimos para o casamento, na cidade de Cerquilho, passando novamente por Piracicaba.

Sabíamos que por ser um dia de semana, devido ao trabalho, não conseguiríamos comparecer à cerimônia de casamento, marcada para as 18h30.

Confesso que nunca havia ido à Cerquilho e João idem. Mas, aventuramos assim mesmo. Pegamos a estrada praticamente à noite e fomos seguindo as placas de sinalização.

Já na cidadezinha, perguntamos para um cidadão que estava andando na rua, onde ficava a usina. O engraçado é que ele respondeu fazendo outra pergunta: “Qual usina?”. Após ele dizer alguns nomes de usinas, reconhecemos um. Ele nos informou corretamente e finalmente chegamos à festa por volta das 20 horas.

Na festa, conhecemos a noiva, filha do usineiro, alguns parentes dela e do noivo e os pais do Soneca. Pessoas simples e de muita simpatia. No decorrer da festa, eu, como sempre, só tomei cerveja e refrigerante pra hidratar. O João tomou vinho e uísque. Em determinado momento o João pediu ao garçom, que ficou nosso amigo, para deixar a garrafa de uísque na mesa. O pobre garçom disse que não podia.

Ficamos o tempo todo praticamente ali na mesa ou dançando próximo a ela.

Contamos e ouvimos histórias curiosas junto aos noivos e aos pais do Soneca.

A música era ao vivo. Não me lembro muito bem o estilo. Acredito que tenha sido boa parte, forró e sertanejo. Coisas do interior paulista.

Os pais do Soneca gostaram tanto da gente que ficaram a maior parte do tempo sentados na mesa onde estávamos. Mais tarde até conseguimos que o garçom deixasse a garrafa de uísque, tão desejada pelo João, na nossa mesa. Quem olhasse de fora, pensaria que éramos conhecidos da família há muito tempo, ou que éramos amigos queridos ou gente importante.

Antes que acabasse a festa, resolvemos ir embora. Afinal, iríamos pegar mais de uma hora de asfalto e aquela estrada era perigosa, por ser de mão dupla.

Nos despedimos dos noivos, que naquele momento já não eram mais noivos e sim casados. Eu diria: recém-casados. e também dos pais do Soneca que reforçaram o convite para um dia visitarmos sua casa e fazermos um belo churrasco.

Eu, como sabia que dirigiria, parei de beber bem antes de sairmos. O João, por sua vez, sabia que não dirigiria, bebeu até o final, por ele e por mim.

Na saída, o João ia levando uma taça de vinho e quando passávamos pela portaria, ele perguntou para o segurança:

“Posso sair com a taça?”

“Não senhor. Eu sinto muito, mas, a taça tem que ficar.” respondeu o corpulento segurança.

“Tudo bem, a taça fica. Mas, o vinho vai.” E antes de entregar a taça para o segurança, bebeu todo o conteúdo em um só gole.

Saímos sem cerimônia e pegamos a estrada de volta para nossas casas.

O combinado era que João dormiria em minha casa, em Piracicaba. Mas, no meio do caminho, ele me pediu para levá-lo em Rio Claro. Discutimos um pouco, pois não era esse o combinado e que para levá-lo em Rio Claro, eu gastaria um pouco mais de uma hora e rodaria também uns 60 Km a mais. Eu estava exausto. Tinha trabalhado o dia inteiro e após toda aquela festa, dança, bebida, o que eu mais queria era chegar logo em minha casa e dormir.

“Se você me levar, eu te dou um “presentinho” da festa de casamento do Soneca.”

“De que você está falando?” perguntei.

“Da taça.” respondeu.

“Que taça, rapaz?” perguntei com ar de desentendido.

“Desta taça.” respondeu tirando do bolso da calça do terno uma taça de cristal.

“Não acredito!!! Como você conseguiu esta taça?”

“Foi fácil!! Primeiro eu coloquei esta no bolso e continuei bebendo em outra. Na hora da saída, o segurança não me deixou sair com aquela outra. Mas, ele não imaginava que eu tinha esta no bolso. Se aquele bruta-monte deixasse eu sair com aquela, seria uma taça para mim e outra para você.”

“Então esta é a minha?” perguntei.

“Lógico!!! Você me leva em Rio Claro e ganha a taça.”

“Tá bom, vai. Eu levo.”

Para ficar com a taça, tive que levar o tratante em Rio Claro.

Chegando em minha casa, lavei e guardei a taça. Às vezes eu a usava e me lembrava do casório.

Para meu espanto aquela taça de cristal durou exatamente 9 meses. Recordo-me com clareza do dia em que ela se quebrou. Foi quando fui lavá-la e durante o enxague, ela bateu na torneira e se partiu quase ao meio.

Encontrei Soneca 9 anos depois em um churrasco da turma da faculdade e conversando com ele descobri uma grande coincidência: O seu casamento dele com a filha do usineiro tinha durado exatamente 9 meses.

Me conte o que achou desse conto? 

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